Enquanto diversos jovens deixaram de comparecer à prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), seja por atraso ou por desistência, a aposentada Maria do Carmo Guilherme foi fazer o teste de carroça. Ela percorreu 8 quilômetros em Quixeramobim, interior do Ceará, no trajeto que contemplou a Rodovia do Algodão, localidade de Belo Monte, para a sede do município.
Ao contrário de muitos candidatos, Maria do Carmo optou por nem acessar o gabarito do exame, que foi divulgado na manhã desta quarta-feira (12). Prefere o mistério. Saberá apenas em 3 de janeiro se foi aprovada para o curso de Letras da Universidade do Vale do Acaraú (UVA). “Não tive dificuldade em fazer a prova. Só achei muito conteúdo para a gente ler, e quando a gente interpreta as perguntas já tem passado várias horas”, conta, sobre as 4h30 para a prova no primeiro dia (7) e 5h30 no domingo (8). “Mas eu não estava nervosa, foi tudo tranquilo”, completa.
A ida à prova, entretanto, foi bem complicada. Com medo de perder o horário, a aposentada resolveu ir de carroça à Escola do Ensino Fundamental Heloisa Maria Maia Pinto. “No primeiro dia fui no ônibus disponibilizado para os estudantes, mas demorei a pegar o coletivo, porque acharam que eu não ia fazer a prova, por não ter idade para ser aluna. No domingo, preferi não esperar e fui logo de carroça, mas o burro anda tão devagar”.
Dona Maria percorreu 8 quilômetros de carroça para fazer a prova, quase 40 minutos de viagem, a aposentada ainda chegou por volta das 10h no Centro da cidade, com duas horas de antecedência do exame. Aproveitou, então, para dar uma passada na Igreja Matriz, onde rezou e acompanhou até um batizado. “Fui fazer as minhas orações para a prova, né?”, brinca. Às 11h, seguiu para o local da prova, onde os fiscais já aguardavam para cumprimentá-la. Um deles chegou até a parabenizá-la pela atitude. “Na sala de aula, no fim da prova, um fiscal me deu os parabéns. E eu: ‘Parabéns porque eu saí por último?’. Aí ele: ‘Porque a senhora teve coragem de fazer a prova”, lembra.
Junto com a aposentada, em uma sacola, além dos documentos pessoais e o cartão de confirmação de inscrição, Maria do Carmo levou também um lanche com suco e bolo feito em casa. “Mas não deu tempo nem de comer. Preferi não perder tempo e me focar nas perguntas”.
A ideia de fazer a prova do Enem foi da própria cearense. A inscrição foi feita pelo neto, que também é candidato a uma vaga na universidade. Ela admite que não estudou, descobriu de última hora que o sonho de cursar Letras e escrever um livro sobre sua vida estava perto de se tornar realidade.
“Sou professora aposentada, parei de trabalhar há 26 anos. Estudei até a 4ª série do Ensino Fundamental, em uma época onde quem tinha estudo era considerado doutor. Comecei a ensinar e depois fiz o supletivo para completar o segundo grau”, comentou. “Tenho o sonho de publicar um livro sobre a minha vida, já estou com várias coisas escritas”, Maria do Carmo, 75 anos.
Agora, ela aguarda o resultado, que sairá no início de 2015. Quem sabe, no próximo ano, esteja ocupando uma das cadeiras na universidade. “Qualquer pessoa é capaz de fazer faculdade. Sempre há tempo para aprender”.
(Tribuna do Povo)
