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Primeiro lugar em educação, Sobral usa tecnologia para continuar avançando

Foram 231 Km de estrada pelo sertão do Ceará até a famosa cidade de Sobral, uma referência consolidada entre interessados em educação. A maioria dos pesquisadores do grupo que eu acompanhava tinha o objetivo de desvendar o segredo que possibilitou uma cidade com nível socioeconômico abaixo da média brasileira saltar para a primeira posição do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), principal indicador da qualidade da educação no Brasil. Meu objetivo era ligeiramente diferente. Eu queria entender o que Sobral está fazendo para continuar evoluindo, agora que já estava no topo, e o que poderemos replicar em outros municípios sem que tenham necessariamente que atingir o nível de excelência de Sobral como pré-requisito. Em inovação, isso é chamado de “leapfrogging”, conceito que explica que, para adotar o que há de mais avançado em uma tecnologia, por exemplo, não é preciso passar por todos os passos que foram necessários para desenvolvê-la. Ou seja, assim como um país não precisa conectar todas as residências à telefonia fixa antes de usar o celular, as escolas também não precisam esperar alcançar uma nota 9 no Ideb para adotar inovações e promover uma aprendizagem mais ativa.

Observei uma aula de matemática do 7º ano da Escola Maria Dorilene. Ao entrar na sala, os alunos encontraram as mesas organizadas para grupos de 4 pessoas. Sobre cada uma das mesas, uma Gogo Board, um dispositivo open-source de baixo custo para robótica educacional e experimentos científicos, uma régua, uma prancheta e uma folha A4 com as instruções da aula. A Gogo Board estava acoplada a um sensor de umidade, como depois me explicaria o professor Cesar Brasileiro. Cesar participou de um grupo de trabalho da secretaria de educação e ajudou a desenvolver a nova unidade curricular que estava sendo testada naquela aula.

Após serem recepcionados e introduzidos ao tema do dia, os alunos foram convidados a investigar quais seriam os locais ideais da escola, de acordo com a umidade do solo, para se plantar três espécies de plantas diferentes: um cacto, um girassol e uma copo-de-leite. Munidos de prancheta e gogo board, a turma se espalhou pela escola. Em 20 minutos estavam de volta, cada grupo com uma tabela descrevendo os mais variados locais e a umidade registrada.

A segunda parte da aula teria sido comum, se não fosse pelo engajamento dos alunos. Com suas próprias tabelas em mãos, os alunos tinham que associar as plantas aos locais propícios, identificar o local de maior e menor umidade e calcular a umidade média da escola. A experiência em campo fez com que os números da tabela (que variavam de 0 a 100) fizessem sentido, já que haviam sido medidos pelos próprios alunos, em locais da escolha deles, para um fim específico – não eram apenas números numa folha de papel.

Enquanto tudo isso acontecia, o professor Cesar movia uma câmera instalada em um tripé para diferentes locais da sala, ora filmando a turma toda, ora focando em um grupo específico. Ao final da aula perguntei ao professor o objetivo da câmera, que os alunos já ignoravam. Ele me explicou que após cada nova aula que ele experimenta, ele assiste a filmagem sozinho, ou com a equipe do currículo, e tenta ver o que ele poderia melhorar. Perguntei se de fato as aulas evoluíam com essa prática e ele me mostrou seu computador, com diferentes versões da mesma atividade, após as várias modificações que ele já havia feito. “Aqui, me sinto um professor pesquisador, já tenho material para fazer um mestrado”, me explicou Cesar.

Vale ressaltar, no entanto, que isso só é possível com o apoio da secretaria de educação e da diretoria da escola, que permite ao Cesar e aos outros professores do novo currículo um tempo de planejamento adequado e apoio pedagógico necessário. “Esse tempo é essencial, tanto para planejar e estudar as atividades, quanto para organizar a sala e alinhar o currículo com os outros professores”.

Aprendizagem ativa

Me chamou atenção nessa experiência não apenas o uso da tecnologia integrada a prática pedagógica, mas também o fato do município com o melhor ensino fundamental do país estar baseando seus próximos passos em um método de aprendizagem mais ativo, que incita estudantes a exercerem protagonismo de maneira bastante alinhada ao currículo, valorizando o papel do professor e por meio de experimentos bem acompanhados. “Eles não estão aprendendo sobre ciências, estão aprendendo a fazer ciências” me contou o Prof Paulo Blikstein, da Universidade de Columbia, consultor do município na reformulação do currículo de Ciências, em conjunto com a Universidade Federal do Ceará e a Fundação Lemann.

A partir dessa experiência piloto em duas escolas, o município planeja agora expandir a prática e a infraestrutura necessária para toda a rede. A tecnologia, como foi utilizada, permitiu um significado muito mais profundo ao currículo, além de posicionar os alunos no papel de investigadores, coletando e interpretando os próprios dados e instigando novas perguntas e o interesse da turma. Nessas condições, a tecnologia potencializa o trabalho de bons professores, com forte apoio de seus gestores e de boas políticas públicas em educação.

A boa notícia é que não é preciso o melhor Ideb do Brasil para começar. Aproveitando o clima de volta às aulas, fica o convite para educadores experimentarem práticas mais ativas com o “Guia Volta às Aulas com Aprendizagem Criativa”, repleto de sugestões de atividades para seus alunos. Deixo também o convite para gestores criarem as condições para esse tipo de aprendizagem e para pais e mães observarem o que as escolas de seus filhos estão chamando de inovação – mais importante do que a tecnologia brilhando na mesa, é permitir espaço de criação e descoberta para os alunos.

(Canal Tech)

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